Apesar de aumento de 10,7% na renda da metade mais pobre, alta dos alimentos e crise de credibilidade derrubam popularidade do presidente.
A renda da metade mais pobre dos trabalhadores brasileiros cresceu 10,7% acima da inflação em 2024, superando o avanço de 8,7% da classe média e os 6,7% do topo da pirâmide social. No geral, a renda do trabalho subiu 7,1%, reflexo da melhora no mercado de trabalho. No entanto, esse crescimento não foi suficiente para conter a insatisfação com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, cuja aprovação despencou, segundo pesquisa Datafolha.
A inflação dos alimentos, que registrou alta de 7,7%, continua pressionando o orçamento das famílias e contribuindo para a queda na popularidade do presidente. Entre os mais pobres (renda até R$ 3.036), a avaliação positiva do governo caiu de 44% em dezembro para 29% em fevereiro. No geral, a aprovação de Lula recuou de 35% para 24% no mesmo período.
Paradoxo entre renda e insatisfação
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, destaca o “grande paradoxo” entre o aumento da renda e a queda na popularidade do governo. “O mercado de trabalho sustentou o aumento da renda, mas a grande questão é se esse movimento será duradouro em um cenário de juros altos e desaceleração econômica”, afirma.
André Braz, coordenador de preços do FGV Ibre, alerta que a alta dos alimentos deve continuar impactando as famílias. “Os alimentos podem subir 4% apenas no primeiro trimestre de 2025”, diz. Desde 2020, os preços da comida aumentaram 55%, enquanto o IPCA geral subiu 34%. O dólar alto (R$ 5,80) também mantém a pressão sobre commodities como milho e soja, agravando o cenário.
Crise de credibilidade e discurso confuso
Além da inflação, economistas e cientistas políticos apontam que o governo enfrenta uma crise de credibilidade. Marcus André Melo, cientista político, avalia que Lula contribuiu para essa situação ao transmitir insegurança sobre a política fiscal. “Lula não percebe as consequências do discurso econômico. O dólar alto reflete essa falta de confiança e impacta diretamente os preços”, afirma.
Antonio Lavareda, outro cientista político, critica a falta de uma estratégia clara no governo. “A imagem do governo parece frágil, sem um propósito estruturado. O PT sempre governou em momentos de abundância, mas agora enfrenta dificuldades e parece sem rumo”, diz.
Desafios à frente
O aumento da renda dos mais pobres é um ponto positivo, mas a combinação de inflação alta, desaceleração econômica e crise de credibilidade coloca o governo em uma situação delicada. Para Marcelo Neri, a grande incógnita é se o crescimento da renda será sustentável diante dos desafios econômicos.
Enquanto isso, a população continua sentindo no bolso o impacto da alta dos alimentos, o que explica, em parte, a queda na popularidade de Lula. O governo terá de enfrentar não apenas a pressão dos preços, mas também a necessidade de reconstruir a confiança em sua gestão econômica.